Era uma segunda-feira chuvosa quando levantei da cama uma hora mais tarde do que de costume. Enquanto organizava a bagagem ouvi pela última vez a orquestra de sapos. Despedi-me dos meus anfitriões daquela semana e os cães me acompanharam até o portão. Confesso que fiquei um pouco emocionado ao perceber o olhar triste deles, é certo que sabiam que não me veriam dali em diante. Acariciei-os pela última vez e entrei no carro com Denise, que me deu uma boleia (carona) até a estação de comboio, onde mais uma vez pegaria a estrada, ou melhor, os trilhos.
Ao chegar a meu destino um francês chamado François me aguardava sorrindo, munido com seu guarda-chuva quadriculado, pois ainda chovia. Em 10 minutos já estávamos no Casal da Tia São (Casal é como os portugueses chamam um conjunto de casas, ou uma casa com seus anexos), onde estou agora e ficarei por mais alguns dias. Conceição (São) é a outra moradora do sítio, que junto a François, dedica a maior parte do seu tempo cuidando de uma pequena horta e de seus vários animais: burro, cabras, ovelhas, porcos, galinhas, patos, gansos, gatos e cachorros. Todos em suas versões masculinas e femininas. São muitos animais que exigem uma rotina diária de cuidado, higiene, alimentação, passeio e muito carinho, é claro.
A vida no rural é muito curiosa, sempre há muito trabalho a fazer, mas o contato com a Terra, fauna e flora nos deixa em um estado de espírito… diferente, já que não encontro outro adjetivo… toda a natureza que nos envolve nos permite desfrutar do “trabalho” com prazer e alegria. Conviver com os bichos tem sido muito gratificante. A interação que constituímos com os animais é muitas vezes bem mais interessante do que as que estabelecemos com certos tipos de pessoas. Eles também têm cérebro e coração, como nós, isto é, pensam e sentem.
Um dos tantos episódios fruto de minha convivência com os bichos que me trouxe bastante alegria aconteceu ao fim de uma tarde de tempo fechado, podia-se ver nuvens carregadas vindas da praia, que fica a 15 km, sentir e ouvir o vento gelado soprar com força, balançando a relva e as árvores. Fomos recolher os animais que tínhamos levado para pastar no início do dia para pô-los de volta em seu devido abrigo. Após “guardar” todos os bichos, fui sozinho buscar o derradeiro, o burro Camarada. Quando o vi, de longe rinchei com se fosse seu semelhante. Ele, muito simpático, respondeu. Como o percebi mais calmo do que estava naquela manhã, ousei ir além do que de costume, brinquei de “dá a patinha”, examinei-lhe os dentes, dei-lhe erva com a mão e fiz algo que sempre quis fazer: montar sem cela. Montar à pelo, como diz a expressão portuguesa. Quando subi, o Camarada olhou pra trás como quem diz “ta fazendo o que aí, brow?”, mas vendo que eu não ia descer deu início a caminhada, seguida de alguns galopes. Com a velocidade, o vento batendo no rosto me pareceu ainda mais gelado. Seu pelo molhado pela chuva molhou minhas calças. Percebi que sua coluna não é tão macia nem tão fácil de equilibrar-se como uma sela. Mas nada disso era incômodo. A cada passo do Camarada eu sentia uma alegria vir de dentro! Yhuuuu… e tome grito! Sem as rédeas eu também não controlava a direção, mas ele não é tão burro quanto se pensa. Sabia o caminho de casa. Desde então, diariamente é o Camarada que me guia e eu vou de boleia!
Outro acontecimento memorável foi acordar bem cedo e descobrir uma bebê ovelha recém nascida no curral. A grossa camada de lã disfarçou a barriga da mãe de forma que sua gravidez não foi diagnosticada. Tia São carinhosamente batizou a ovelhinha como Dora 🙂
Outro passatempo, trabalho, lazer, já não sei mais como definir. Enfim, outra coisa que se faz aqui no Casal da Tia São é a fabricação (o que inclui degustação, hummm) de cachaça, licores, vinhos, vinagres, doces, compotas e geleias. Tudo bem caseiro e muito gostoso. As frutas colhidas, cada uma em sua época, são muitas, e para não estragar nem desperdiçar são utilizadas na confecção desses produtos, que além de servirem para consumo, são dados, presenteados e vendidos.
Eu gosto do porquinho e da minha chará!Gosto dessas coisas que são difíceis de definir também!Mas algo muito verdadeiro e de fácil definição é: os animais também sentem!!!bjus
Mais uma vez adoramos o texto e as fotos =) Beijinhos Leo!
Olá Leonardo ! obrigada a ti por este lindo album. Um beijo. São…… do casal da tia São